Outro dia, percebi que uma parte muito importante do meu trabalho não depende de mim. É uma parte sutil e duradoura que o outro mantém viva. Não tô falando de cuidar bem da obra... nada disso. Me refiro à memória afetiva que aquele objeto passa a ter diante de um olhar, de um espaço, de alguém, de um fato.
Esse ano recebi muitas encomendas de colagens personalizadas para diferentes situações; em todas elas, o amor é o maior registro. Em todas as formas, cores e dimensões que pode ter. Gente que vai nascer, gente que já partiu, gente que tá do lado se amando, gente que tá crescendo, gente que tá cuidando desde que pariu, gente que é bicho, bicho que é gente... já colei no papel um monte de rosto que nunca nem vi. Mas quando observo bem os detalhes, me reconheço ali.
Às vezes tenho receio de me colocar demais nas coisas, mas só sei oferecer mesa farta, não consigo dar só um cafézinho... tem que ter cheiro de amor em conserva, afeto descongelado, carinho pré aquecido... sabe? É coisa de gente que vive no interior - de si mesmo.
A memória afetiva do depois já não me cabe. Pertence a quem recebe, a quem come o pedaço do bolo de olho fechado e lembra que, um dia, o registro fotografado foi um momento ao vivo. E que quando abre os olhos, percebe que a foto agora já é outra coisa, mas ainda guarda o sabor delicioso daquele momento. Essa parte sutil e duradoura cria algo bonito chamado “história”, que também é uma ótima pedida para ouvir (ou contar) enquanto o bolo tá crescendo dentro do forno.
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